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Inimputabilidade penal - Etelma T. de Souza

         

Sempre que acontece, ou melhor, quando um crime ocorrido ganha repercussão na grande mídia, parte da sociedade clama por acirramento de penas. 

Na semana passada, novamente a inimputabilidade penal veio à tona. Dessa vez, o próprio governador de São Paulo, novamente, veio a público pedir a redução da idade penal, mascarando sua proposta como acirramento das medidas aplicáveis a essa população. 

Logo ele que recusa-se a implementar reordenamento institucional e jurídico na área da infância e adolescência, isso sem falar em seu partido no (des)governo de São Paulo há 20 anos. 

Ora, ele mesmo é um dos responsáveis pela ausência de políticas públicas, seja para atendimento aos direitos fundamentais, seja pelo não investimento em medidas socioeducativas em meio aberto. 

Isso, sem tocarmos na FEBEM, que apenas mudou de nome, mas as práticas, ou ausência de práticas, são as mesmas  há anos e, claro, como todos sabemos, de socioeducativo tem apenas o nome na medida em meio fechado. 

Voltando ao clamor da sociedade, notamos que tem cara bem específica, assim como o alvo é também específico. 

Se ativarmos a memória para crimes de grande repercussão veremos essas caras. 

Suzanne, por exemplo, responsável pelo assassinato dos pais. Alguém tem lembrança de clamor da sociedade para pena de morte para ela? 

Não, a sociedade não pediu. Assim como não pediria  rebaixamento da idade penal caso ela tivesse menos de 18 anos à época do crime. 

Como nossa mídia noticia crimes cometidos por menores de 18 anos contra outros de sua faixa etária? 

Geralmente vemos/ assistimos/ ouvimos coisas assim: "menor assalta adolescente"; "menor mata adolescente"... 

Ou seja, olha a cara da vítima e a do "criminoso": o adolescente é a vítima, o que mata é o menor. 

Mais do que uma questão semântica, trata-se de algo mais complexo. Remete a um ranço jurídico e social, ainda do famigerado Código de Menores, que definia quem era criança/ adolescente e quem era o menor. Este, tratado na órbita da polícia, da justiça; aqueles, na esfera das políticas de educação, saúde... 

O ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, data de 1990 e, ao contrário do que apregoam por aí, não é uma lei para "passar a mão na cabeça de bandido", mas uma lei protetiva/ responsabilizadora. 

Além de uma carta de direitos fundamentais, também são estabelecidas diretrizes das políticas para criança e adolescente, responsabilidades do Estado, sociedade e família em garantir esses direitos. 

Mas, também prevê a responsabilização de adolescentes por seus atos. Para estes, quando cometem atos infracionais, são previstas 6 medidas socioeducativas. 

Ora, se as mesmas não estão implementadas em nosso Estado (aliás, no Brasil, com diferenças entre mais e menos avançados), como dizer que esses adolescentes não têm recuperação? 

Como querer inseri-los num sistema prisional falido, que já não funciona para adultos? 

No Congresso há diversos projetos para rebaixamento da idade penal, defendendo que seja para 16 até 12 anos de idade. 

Ora, seguindo essa lógica, então talvez fosse melhor nem deixar nascer filhos de pobres, posto que predestinados a serem bandidos (aliás, tem quem realmente pense assim...). 

Poderia dizer que esse debate não cabe em nossa sociedade, posto que trata-se de CLÁUSULA PÉTREA de nossa Constituição Federal. Porém, penso que devemos sim encarar esse debate e esclarecer o maior número possível de pessoas sobre o despropósito do rebaixamento da idade penal. Isso, claro, com argumentos e não clamores imbuídos de sentimentos avivados por tragédias. 

Gostaria muito de ver a sociedade clamando com a mesma força por políticas para crianças e adolescentes, por educação, saúde, esportes, cultura, lazer... 


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